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Cristiano Ronaldo, as ronaldettes e o regime saudita, igual ou pior que o russo

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Descobri estes dias que tenho uma dívida para saldar com Cristiano Ronaldo. Como se não me chegasse o crédito à habitação e a dívida externa do país. Sorte a minha, é uma dívida de gratidão. Mas não deixa de ser uma dívida involuntária, na medida em que tenho que a aceitar, mesmo que me esteja nas tintas para o futebol jogado.

Quem não aceita a dívida sujeita-se ao homem do fraque. E, neste caso, o homem do fraque são as ronaldettes, que logo surgem, de tocha na mão, a exigir que se venere o melhor do mundo, garantindo que Ronaldo está acima da crítica e, por conseguinte, da liberdade de expressão e do estado de direito. O que é interessante, já que Ronaldo foi trabalhar precisamente para um país onde se cultiva a rejeição desses valores.

Eu disse cultiva? Queria dizer reprime. Com brutalidade medieval.

Ronaldo está tão acima da crítica como qualquer futebolista, artista, político, empresário e figura pública, em geral. Ou seja, não está. Em democracia é assim e existem alternativas para quem não aprecia este sistema. O novo país de residência de Ronaldo, por exemplo. De maneira que, querendo, podemos malhar no Ronaldo como o Ronaldo pode malhar no Erik ten Hag e no Manchester. Vantagens de se viver em liberdade.

O mesmo se aplica à imprensa. A imprensa é livre, escreve sobre o que quiser e, ao contrário do que acontece na Arábia Saudita, onde passará a residir Ronaldo, o Costa e o Marcelo não podem mandar torturar, assassinar e esquartejar um jornalista. Eu prefiro que os jornalistas sejam livres, mas compreendo que haja quem aceite que sejam reprimidos, como compreendo que haja quem defenda a invasão de Putin. Felizmente, a democracia protege-nos dos arautos do totalitarismo.

Perante aquilo que é óbvio e basilar numa democracia, e não podendo as ronaldettes esquartejar quem faz dói-dói ao Ronaldo – que só as ronaldettes sentem, o próprio Ronaldo, em princípio, está-se nas tintas – surge o “argumento” da inveja. Um argumento com barbas, que serve para quase tudo:

Não gostas do novo penteado da Cinha Jardim?
Invejoso.

Não gostas que o governo entregue 450 mil euros à Sonae, para financiar o aumento do salário mínimo, num ano em que a empresa tem lucros recorde e aumenta a CEO em 368 mil euros?
Invejoso.

Não gostas do Galamba a ministro?
Invejoso.

Não gostas que o teu presidente de câmara derreta 300 mil euros dos cofres públicos num jornal ilegal de propaganda?
Invejoso.

Não gostas que o Ronaldo se torne assalariado de um dos regimes mais bárbaros do planeta, ao nível da Coreia do Norte e da Síria, que decapita infiéis em praça pública, esquarteja jornalistas, financia terroristas islâmicos, reprime mulheres, homossexuais e qualquer tipo de activista?
Invejoso.

Foda-se, que estupidez.

Se o Ronaldo fosse jogar para o Lokomotiv ou para o CSKA, estou certo que as ronaldettes arranjariam um “mas” qualquer. E nos garantiriam a todos que, uma vez em Moscovo, Ronaldo seria o agente de mudança e convenceria Putin a terminar a guerra e a retirar da Ucrânia, Crimeia incluída.

Acontece que a Arábia Saudita é tão ou mais violenta que a Rússia. Que bin Salman é igual ou pior que Putin. Que a tragédia no Iémen é incomparavelmente maior que a ucraniana. E que, tirando as ronaldettes – e mesmo essas não sei se resistiriam todas – ninguém estaria confortável se Ronaldo fosse terminar a carreira à Rússia.

Portanto, sim, é criticável. Ronaldo não é o jogador qualquer. Não é um remediado que precisa daquele dinheiro. É um multimilionário que, se parar de trabalhar hoje, viverá rodeado de todos os luxos até à hora da sua morte. Ronaldo não foi trabalhar para um regime totalitário por necessidade. Foi pelo dinheiro. E tem direito de o fazer. Como eu ou qualquer outra pessoa tem direito de ficar enojado com o facto de ver o melhor jogador português de sempre a trabalhar para um tirano ao nível de Kim Jong-un. Porque sim, o Al-Nassr é propriedade da coroa saudita. De Mohammed bin Salman, um canalha sanguinário que, no início da invasão da Ucrânia, liderou a OPEP na reafirmação do seu compromisso com o Kremlin. Portanto não me venham com merdas. Se Ronaldo fosse para a Rússia, repito, ninguém cairia no disparate de falar em inveja. Porque entre um regime e outro, a diferença, no que à repressão diz respeito, é nula.

Shame on you, CR7.


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